Nos dias de hoje, a posição de uma assinatura digital é uma realidade com a qual convivemos diariamente. A autenticidade das assinaturas eletrónicas é feita através da verificação em programa próprio, sendo considerado cópias todos os documentos impressos, uma vez que não dá para verificar a veracidade das mesmas. A título de exemplo, uma licença de utilização assinada com assinatura digital, apenas será válida se a entidade autenticadora/notário que está a celebrar a escritura, verificar autenticidade da mesma através do envio do e-mail original onde consta a dita assinatura. Qualquer impressão, sem selo branco em uso pela Câmara que emitiu o aludido documento, será considerada uma cópia para efeitos de escritura.
Já é possível a celebração de um conjunto de contratos que a lei sujeita à forma escrita através da aposição de uma assinatura eletrónica qualificada, com valor idêntico à assinatura manuscrita. No entanto devemos questionar a relevância notarial nomeadamente no que concerne à utilização da assinatura digital na celebração de negócios jurídicos cuja validade a lei exija documento autêntico ou documento particular autenticado.
O Regime Jurídico do Comércio Eletrónico (DL 7/2004 de 7 de Janeiro), versa sobre o comércio eletrónico e a contratação eletrónica e assenta no princípio da liberdade de celebração de contratos através de via eletrónica. Na esteira deste DL, um contrato celebrado à distância, é um contrato entre o consumidor (pessoa singular que atua ou com fins que não se integram na sua atividade comercial) e um prestador de serviços, sem a presença física simultânea de ambos.
Os documentos eletrónicos são genericamente admitidos em Portugal e na União Europeia, não podendo ser negado efeitos legais nem a admissibilidade dos mesmos enquanto prova em processo judicial - nomeadamente no que concerne à assinatura eletrónica pelo simples facto de se apresentar em formato eletrónico. Por isso, podem ser livremente utilizadas as assinaturas em documentos eletrónicos, nomeadamente contratos, desde que respeitem os requisitos de forma legalmente exigidos.
Prescreve o art.º 25.º do RJCE que "(...) é livre a celebração de contratos por via eletrónica, sem que a validade ou eficácia destes seja prejudicada pela utilização deste meio”. Assim, as declarações emitidas por via eletrónica satisfazem a existência legal de forma escrita quando contidas em suporte que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação.
A questão que se coloca aqui, está relacionada com o contrato de promessa de compra e venda. Nos termos do art.º 25.º n.º 2 al. b) e c) do RJCE são “(...) Excluídos do princípio da admissibilidade os negócios legalmente sujeitos a reconhecimento ou autenticação notariais e reais imobiliários com exceção do arrendamento”.
Ora, é aqui que reside o nosso calcanhar de Aquiles. A não sujeição destes negócios ao princípio da admissibilidade da contratação eletrónica, pretende, a meu ver, apenas garantir o controlo da legalidade dos mesmos uma vez que esta é assegurada através da intervenção notarial ou de entidade equiparada como é o caso dos Advogados.
A lei define que "no caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou Constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior – CPCV- Deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respetiva licença de utilização ou de construção (...)" art.º 410.º n.º 3 do Código Civil.
O reconhecimento das assinaturas vai para além de atestar que os promitentes que assinam são os titulares do direito e os identificados no contrato: é uma segurança e uma certeza jurídica de que existe - ou não - a licença de utilização ou de construção do imóvel objeto do contrato prometido. Isto significa que, as partes não podem prescindir do controlo de um terceiro imparcial no negócio, que tem como objetivo fiscalizar o cumprimento das formalidades exigidas por lei e o cumprimento da solenidade exigida para a segurança jurídica do ato. A referida norma reveste-se de caráter taxativo, não devendo por esse motivo ser a disposição alvo de afastamento pelas partes.
Ora, no entanto, sob a égide da liberdade contratual daqui as partes dispõem, as mesmas mas vêm colocando nos contratos promessa de compra e venda a seguinte cláusula (a título de exemplo): "Os aqui Outorgantes declaram expressamente que prescindem das formalidades previstas no nº 3 do art.º 410.º do Código Civil (reconhecimento presencial das assinaturas), pelo que a sua omissão não poderá sustentar a nulidade do presente contrato por vício de forma ou a reclamação de qualquer indemnização.”
Ora, por via desta cláusula há uma renúncia válida ao direito de arguir a nulidade do contrato promessa de compra e venda, sob pena de “venirem contra factum proprium”.
No entanto, na minha modesta opinião, depreendo que a ausência de reconhecimento presencial das assinaturas é devido a certificação das licenças dos imóveis a alienar, se traduz num elevado risco para ambas as partes, embora reitere se as mesmas estejam no âmbito da liberdade contratual.
Há que reter que, não obstante poder constar do contrato de promessa de compra e venda de imóvel que as partes abdicam do devido reconhecimento das assinaturas presenciais e que em nenhuma das partes é lícito invocar a nulidade fruto de tal declaração, existe entendimento jurisprudencial no sentido de que este tipo de cláusulas não são válidas por se tratar de disposição contrária a norma de interesse público, cuja função é defesa da parte promitente compradora, parte esta a mais frágil na relação negocial.
No entanto, será que podemos colocar este tipo de cláusulas no âmbito da assinatura eletrónica? De não poder invocar a nulidade do contrato uma vez que as partes terão obrigatoriamente que prescindir do reconhecimento presencial?
Aquando da situação de emergência de saúde pública decretada pela OMS, o IMPIC publicou a circular informativa n.º1/IMPIC2/2020, a qual já abriu portas para a "assinatura de contratos promessa de compra e venda de imóveis através de assinatura eletrónica qualificada com base no Decreto-Lei n.º 12/2020 e no Decreto-Lei 290-D/99 de 2 de Agosto com as respetivas alterações”. O DL 290-D/99 de 2 de Agosto regula o reconhecimento e o valor jurídico dos documentos eletrónicos e das assinaturas digitais e, por outro, confia o controlo da atividade de certificação de assinaturas a uma entidade a designar. Este DL foi revogado pelo DL 12/2021 de 09 de Fevereiro.
O DL 12/2021 de 09 de Fevereiro transpõe para a ordem jurídica interna o regulamento (UE) 910/2014, que consagra um quadro legal para as assinaturas eletrónicas, equiparando as declarações transmitidas pelas vias tradicionais às transmitidas pelos meios eletrónicos.
Nos termos do artigo 3.º do aludido Decreto-Lei, a aposição de uma assinatura eletrónica qualificada num documento eletrónico equivale a assinatura manuscrita constante de documento em suporte papel e cria uma presunção de que, foi o titular da assinatura que a apôs (ou o representante como poderes bastantes da pessoa coletiva em causa), a assinatura eletrónica qualificada foi aposta com intenção de assinar o referido documento e o documento eletrónico não sofreu qualquer alteração desde que lhe foi aposta a assinatura eletrónica. Caso o certificado com base na qual estas assinaturas foram opostas esteja revogado caduco ou suspenso na data da aposição tal equivale à falta de assinatura.
Prescreve ainda o art.º 3.º n.º 5 do DL 12/2021 de 09 de Fevereiro que quando a um documento lhe seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada, este tem a força probatória do documento particular assinado nos termos do artigo 376.º do Código Civil.
Dúvidas não restam que, o documento assinado com este tipo de assinatura faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
No atinente ao contrato promessa de compra e venda, parece-me que estamos perante uma área cinzenta no Direito. Ora, o DL 7/2004, define expressamente que estão excluídos os negócios legalmente sujeitos a reconhecimento ou autenticação notariais e reais imobiliários com exceção do arrendamento, enquanto o DL 12/2021 define que quando a um documento lhe seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada, este tem a força probatória do documento particular assinado nos termos do artigo 376.º do Código Civil.
Assim, quanto à questão dos contratos promessa de compra e venda de imóveis em que as partes prescindem do formalismo do reconhecimento das assinaturas e como tal sujeitos apenas a forma escrita estes poderão ser celebrados através de documento eletrónico com assinatura digital qualificada sem que isso afete a sua validade.
Questão que se pode discutir é a nulidade desta cláusula, juntamente com o elevado perigo de falsificação deste tipo de documentos, e de utilização de assinaturas digitais por terceiros. No entanto, ainda não existe qualquer decisão judicial que se pronuncie sobre esta matéria.
Nestes termos, certas promessas para as quais a lei impõe acentuadas exigências formais (com é o caso do artigo 410.º n.º 3 do CC), garantidas pelo direito à execução específica (art.º 830.º n.º 3 e 4 do CC), estas exigências deverão ser cumpridas sob pena de invalidade, arguível nos termos gerais do direito. Aos dias de hoje, não existe qualquer legislação que permite ao advogado o reconhecimento de assinaturas através de comunicação à distância.
No entanto, podemos afirmar no contrato promessa em que partes afastam o recurso ao reconhecimento presencial das assinaturas, este poderá ser assinado através da assinatura eletrónica qualificada.